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Muito à Vontade

João e seu trio

Muito à Vontade

Ano: 1962
Selo: Polydor

FAIXAS

1. Muito à vontade (João Donato)
2. Tim dom dom (Codó e João Mello)
3. Pra que chorar (Baden P. e Vinícius de Moraes)
4. Sambou, sambou (João Donato e João Mello)
5. Jodel (João Donato e Patrícia Del Sasser)
6. Vamos nessa (João Donato)
7. Minha saudade (João Donato e João Gilberto)
8. Naquela base (João Donato)
9. Olhou pra mim (Ed Lincoln e Sylvio Cesar)
10. Tema teimoso (João Donato)
11.Só se for agora (João Donato)
12. Caminho de casa (João Donato)

FICHA TÉCNICA

Piano e arranjos: João Donato
Contrabaixo: Tião Neto
Bateria: Milton Banana
Bongô e pandeiro: Amaury Rodrigues

Produtor - João Mello
Técnico de gravação - Célio Martins
Engenheiro de som - Sylvio Rabello
Capa - Paulo Brèves

Reeditado em 2002 pela Dubas Música, Rio de Janeiro, 2002

O que foi escrito sobre: João Donato e seu Trio Muito à Vontade

Texto original da contracapa do LP

É incrível, mas este é o primeiro 12 polegadas de Donato gravado sob seu nome. O festejado pianista, acordeonista, trombonista e compositor que vem atuando com os melhores músicos modernos brasileiros e norte-americanos, desde os primeiros anos da década dos 50, só agora tem a oportunidade de se expressar artisticamente com a indispensável liberdade e desenvoltura. O micro, que Ismael Corrêa gravou oportunamente em dezembro último, aproveitando uma rápida estada de Donato e sua esposa no Rio, dá-nos a chance de entrar na intimidade do mundo musical de Donato: seu estilo personalíssimo, caracterizado pela exploração incessante do campo harmônico e melódico do piano, pelo "jeu" originalíssimo da mão esquerda, que é para a direita o que o Dr. Watson era para Sherlock Holmes, um auxiliar valioso e um complemento indispensável, seu generoso sentido rítimico, o qual fá-lo "balançar" irresistivelmente à menor frase. Ao primeiro contato com Donato, o ouvinte percebe imediatamente que ali estão galvanicamente unidos o compositor, o pianista e o arranjador, formando uma trindade indissolúvel e igualmente atraente em suas três facetas. Utilizando quase sempre acordes cheios harmonicamente curiosos e intrincados, Donato investiga exaustivamente o tema, extraindo toda a seiva harmônica e melódica que o mesmo contém. Para obter os resultados que busca ao gravar o LP, o jovem instrumentista recrutou três entre os mais talentosos ritmistas que militam presentemente na praça carioca. São eles: o baixista Tião Neto, estupendamente revelado no LP do Bossa Três, o "drummer" Milton Banana, sem dúvida o mais completo e mais "exciting" baterista de samba em atividade, e o bongoísta e pandeirista Amaury, que estudou numa escola admirável que se chama Boate Drink, sob a batuta de um grande catedrático de nome Djalma Ferreira. Ouvindo o LP, não se pode deixar de reconhecer: Donato, Tião, Milton e Amaury estavam sem dúvida a fim de gravar um esplêndido LP de piano & rítmo quando cruzaram as portas dos estúdios da Cia. Brasileira de Discos. Dêem uma escutadinha e vejam só se não temos toda a razão…

FLASH BIOGRÁFICO

João Donato nasceu em Rio Branco, Território do Acre, a 17 de Agosto de 1934. Veio para o Rio durante a II Guerra Mundial e estreou profissionalmente em 1948, tocando “acordeon” com o conjunto de Fafá Lemos, na extinta Boate Monte Carlo. Integrou depois, com Miltinho, Nanái, João Luis, Freddy, Chico e Julinho, o notável conjunto vocal Os Namorados, que gravou, diga-se de passagem, para a Cia. Brasileira de Discos em 1953. Atuou depois em vários conjuntos cariocas, passando a tocar piano e trombone em 1958. No ano seguinte, viajou para os Estados Unidos. Fixou-se em Los Angeles, Califórnia, onde casou-se com a atriz Patrícia del Sasser. Nesses seus 4 anos de States, tem atuado com grandes expoentes do afro-jazz, como Mongo Santamaria, Herbie Mann, Tito Puente, Cal Tjader e Johnny Martinez. Esteve no Rio há pouco tempo, quando gravou este seu memorável “Muito à Vontade”.

Texto da capa do CD remasterizado

João Donato, Muito À Vontade para sempre
Por: Edison Viana - Dubas Música

Tudo o que se admira da música de João Donato, e que podemos ouvir em sua farta discografia recente já poderia ser notado em MUITO À VONTADE, que a Dubas relança, na primeira edição em CD. Gravado em 1962, trata-se do primeiro disco em que Donato grava ao piano, e em que registra temas de sua autoria (Chá Dançante, o anterior, havia sido gravado em meados dos anos 50 e o apresentava à frente de um regional). É também o registro sonoro inaugural da formação de trio, marca registrada com a qual faz shows até hoje. Entre uma viagem e outra ao exterior, acompanhado de Tião Neto e Milton Banana, Donato produziu uma das peças mais significativas da música brasileira instrumental. O disco quarentão conserva juventude e frescor de sobra, e esbanja modernidade ao novamente se tornar acessível ao público.

Muito à vontade estava aquele conjunto, que vinha tocando certinho desde a Itália, numa excursão com João Gilberto. É, também, um disco de amigos, como João Donato conta no depoimento dado para o encarte do CD. Tião Neto era companheiro das reuniões da turma de músicos, antes de se tornar contrabaixista dos mais requisitados por eles. Milton Banana, de quem Donato fala com carinho especial, era o parceiro das canjas que Donato, incompreendido pelos donos das casas noturnas, quase pedia para dar nas madrugadas cariocas. Canjas após as quais Donato freqüentemente dormia no apartamento que Banana dividia com Amaury Rodrigues, o convidado para adicionar tempero ao ritmo.

Tal sintonia entre os amigos permitiu ao grupo gravar um disco em sua maioria idealizado dentro do próprio estúdio de gravação. Temas como “Naquela Base”, “Vamos Nessa”, “Só Se For Agora”, eram principalmente “um motivo pra tocar um instrumentalzinho mesmo”. E as músicas ganhavam nomes a partir do papo dos músicos, antes ou depois de gravar. “E esta, como é que vai chamar?” “Caminho de Casa”... e na fita ficava registrado o título da música. Aos improvisos se juntaram músicas já conhecidas e admiradas por Donato - “Olhou pra Mim”, “Pra Que Chorar”, “Tim Dom Dom”. “Minha Saudade” aparece sem revelar a letra de João Gilberto: “minha saudade / é a saudade de você / que não quis lembrar de mim / a saudade de você”. O que hoje conhecemos como a bela canção “Café com Pão”, com letra do irmão Lysias Enio, tinha o nome de Jodel quando Donato fez em homenagem à filha – inclusive colocando o nome da mãe dela, Patrícia Del Sasser, como co-autora.

Entre tanta descontração e brincadeira, o resultado deu tão certo que Donato foi chamado para gravar outro disco, dias depois. A Bossa Muito Moderna de João Donato e Seu Trio foi lançado apenas no ano seguinte, mas traz o mesmo espírito das primeiras sessões. Em CD, será lançado pela Dubas também no ano seguinte ao seu antecessor. Os masters dos dois discos foram cedidos pela Universal Music. A reedição de MUITO À VONTADE traz, além da entrevista com Donato e da remasterização em 24 bits, ilustrações de Filipe Jardim criadas a partir da capa original desenhada por Paulo Breves. O relançamento foi celebrado com uma festa no Rio de Janeiro, em que João Donato se apresentou ao lado de Luiz Alves e Wilson das Neves, contemplado por admiradores de primeira hora, como Marcos Valle, e fãs mais recentes como Ed Motta.

João Donato deu muito mais aos que só conseguiam ouvir a Bossa Nova. Acrescentou seu suíngue suave a músicas que não necessariamente tinham que ser cantadas para que tivessem o amor, o sorriso e a flor. Está agora disponível em CD o primeiro exemplo da prolífica trajetória de um eterno garoto prodígio. MUITO À VONTADE tem quarenta anos. E, como definiu o próprio
Donato, “ele ainda toca bonitinho...”.

Texto da capa do CD remasterizado

Por: João Donato

“Tem quarenta anos esse disco. E ainda toca bonitinho”

Muito à vontade significa isso, que o cara estava à vontade. Na capa eu apareço de sandálias havaianas, uma camisa florida, chapéu de palha, um copo de refresco... muito à vontade. O que dava mesmo a impressão do que estava rolando no estúdio.

A música “Muito Á Vontade”, eu fiz no estúdio. Deu nome ao disco depois, mas foi feita na hora. Era um conjunto que vinha tocando já há um tempo: Tião Neto, Milton Banana e eu. A gente estava voltando de uma excursão pela Itália com João Gilberto, e o trio estava ajustadinho. Então, quando chegamos no estúdio para gravar, a gente se perguntou: “vamos tocar o quê?”. Aí, eu saí tocando essa música, e o Milton Banana falou. “ah! Muito à vontade”.

A maioria dessas músicas foi feita no estúdio. E elas ganharam nomes assim, a gente falando: “vamos nessa!”, e tocava; “só se for agora!”, e gravava. E essas referências ficavam na fita. E assim fomos botando os nomes, com expressões que se usavam muito na época: “Vamos Nessa”, “Só Se For Agora”, “Naquela Base” e “Caminho de Casa”. E esse disco foi gravado em dois dias.

As músicas não têm muita imagem de letra, são mais uns teminhas mesmo. Dá pra ver que elas não tinham muita melodia, eram mais um motivo para tocar um “instrumentalzinho”. E este disco é anterior à entrada das letras no meu trabalho. As letras só entraram quando eu voltei dos Estados Unidos definitivamente, em 1972.

Dessa turma só tinha “Minha Saudade”, com uma letra que o João
Gilberto fez, sabe lá ele por quê, e também era a única na qual cabia uma letra. Eu já tinha a melodia. O João Gilberto apareceu um dia e falou: “fiz uma letra para aquela sua música “. E detonou: “minha saudade é a saudade de você, que não quis levar de mim a saudade de você”. Eu falei: “tá complicado, será que vão entender isso? E ele respondeu: "vão, vão entender”.

Fora “Minha Saudade” e os temas que a gente aprontou na hora, tinha “Sambou… Sambou”, uma parceria minha com João Mello, e “Tim Dom Dom”, que eu tinha ouvido o Jorge bem cantar e tentei dar uma releitura. A gravadora tinha sugerido alternar músicas minhas, que até então eram desconhecidas, com algumas de sucesso. Aí eu gravei também “Pra Que Chorar”, que tocava muito no rádio na versão do conjunto vocal Os Cariocas.

“Jodel” eu já tinha a 'celulazinha preparada. Eu fiz para a minha filha, Jodel, quando ela estava fazendo um ano de vida. Agora está com trinta e cinco ... já tem um tempão isso aí. Mais tarde ganhou uma letra do meu irmão, Lysias Enio, chamada “Café com Pão”.

Engraçado que quando eu estava gravando este disco, chegou um funcionário do estúdio e falou “mas isso não é bossa Nova”. Eu falei: “eu também não disse que era Bossa Nova, tô gravando um disco, não sou obrigado a tocar um disco de Bossa Nova”. Eu nunca adotei nenhum sistema de nada. Não sou a favor nem contra, eu sempre toquei assim, mais jazzístico do que outra coisa. O cara tava certo, a Bossa Nova é mais leve, mais lenta, mais suave.

Tem gente que me pergunta se quando eu tocava nas boates, desequilibrava tudo. Mas não é nada disso. Os gerentes achavam chato quando eu dava uma canja, porque eu mudava um pouco a levada. Deixava de ser uma coisa frenética pra virar uma coisa suave. E na cabeça deles isso não era comercial. As pessoas não dançavam nem bebiam whisky. Quando eu chegava nas boates, geralmente onde tocava o Milton Banana, meu camaradinha, ele falava: “pô bicho, temos que esperar até de madrugada, quando esvaziar, quando os fregueses forem embora. Aí, a onça morreu, a mata é nossa”. Então, tinha que esperar até três, quatro horas da madrugada, para poder dar uma canja, e grátis!

Eu tocava assim ... só que esse assim hoje a gente acha legal, mas em 1950 os caras achavam chato, porque não era o padrão do que rolava no rádio diariamente. O modo como eles encaravam era samba de teleco-teco. Era um problema de concepção. Isso também aconteceu comigo quando cheguei na América. Se a situação aqui era difícil pra mim, mesmo tocando de graça, lá, pelo que eu ouvia nos discos, seria diferente. Eu fui para lá com o Nanai, integrante do conjunto Os Namorados, que tinha ido se juntar com o Bando da Lua, os Brazilian boys que acompanhavam Carmen Miranda. E eles ficavam tocando “Tico-Tico no Fubá” ... eu já estava com esse troço atravessado. Eu toquei com eles algumas vezes, mas de repente vieram com a notícia de uma viagem a Las Vegas, na qual eu não iria. Por incrível que pareça, eles me acharam muito americanizado. E eu que tinha acabado de chegar do Brasil “ontem”! Eu chego nos Estados Unidos cheio de novas informações – haja vista que quando juntou Jobim, João Gilberto, Johnny Alf, Menescal, essa turma queria sair desse tico-tico no fubá – e os caras me dizem: “tá muito americanizado isso, volta por tico-tico no fubá”! Tanto que o Bando da Lua foi para Las Vegas e eu fiquei a ver navios em Los Angeles, sem conhecer ninguém.

Eu levei este disco para os Estados Unidos em forma de acetato. Bati em várias portas, falei com meus colegas, músicos, pequenas companhias de jazz, mas ninguém se interessou muito. Até que eu cheguei na Pacific Jazz, companhia formada pelo Richard Bock, que foi quem me atendeu lá. Era uma companhia famosa no meio jazzístico: lá gravaram Chet Baker, Gerry Mulligan, Shorty Rogers, Laurindo Almeida, Bud Shank. Quando eu cheguei e Richard falou que estava para gravar na semana seguinte um disco com Bud Shank, e que estava sem nenhum planejamento para ele: “eu vou mostrar o acetato para o Bud, e se ele gostar das músicas você grava um disco com ele, porque eu não posso lançar esse disco seu assim de repente, eu posso introduzir você com Bud Shank and His Brazilian Friends, no qual eles me apresentavam. Em seguida eles lançaram o Muito À Vontade com uma capa americana, com uma foto minha, e mudaram o nome para Sambou Sambou, porque acharam mais sonoro.

JOÃO DONATO E SEU TRIO

Eu conheci o Tião Neto em Niterói. Ele ia a tudo que era reunião que a gente fazia na casa de amigos, sempre como admirador da turma, até que de uma hora pra outra ele resolveu estudar contrabaixo. E saiu tocando de uma maneira tão boa que foi requisitado por João Gilberto, Sérgio Mendes, Tom Jobim, Nana Caymmi, entre outros. Tornou-se um bom profissional. E olha que ele começou a estudar um instrumento depois que já tinha 25 anos. O Milton Banana eu conheci nas noites cariocas. O Milton ficava colega rápido. Isso aconteceu com João Gilberto, Tom Jobim, Johnny Alf, essas amizades criadas no primeiro encontro e que ficam mesmo pro resto da vida. E o Bananinha, eu costumava dormir na casa dele. Ele morava com o Amaury Rodrigues, o percussionista deste disco. Como eu tocava só no final da madrugada, que era fim de festa, com o sol raiando e as pessoas indo para a praia, muitas vezes eu dormia na casa deles. Eu morava na Tijuca e eles alugavam um quarto numa pensão em Copacabana, na Rua Duvivier, num edifício apelidado de Bairro Chinês. Amigos, né? Gostávamos das mesmas paradas também, de jazz americano, de música cubana ... Eles tinham bongô, tumbadora. E eu gostava muito do estilo de tocar deles.


O Estado de São Paulo - 14-12-2002
'O disco de Donato tem importância inclusive histórica.'
Por Ruy Castro

O disco de Donato, Muito à Vontade, tem importância inclusive histórica: foi o seu primeiro disco ao piano e o primeiro mesmo para valer, com nove de suas composições entre as 12 faixas. Ali já estão vários temas instrumentais que, hoje, com letra, mudaram de título e ficaram famosos. Donato, que estava morando nos Estados Unidos durante a explosão da Bossa Nova, era uma lenda entre os músicos mais novos - para alguns, pelas histórias que ouviam, ele devia ser algo assim como o curupira ou a cobra d'água. Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir. O desenho de capa original, do pioneiro capista Paulo Breves, foi ampliado por Filipe Jardim para o encarte do CD e ficou ótimo.

Instituto João Donato
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