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A Bossa Muito Moderna de Donato e Seu Trio

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A Bossa Muito Moderna de Donato e Seu Trio

Ano: 1963
Selo: Polydor

FAIXAS

Lao A
1. Depois do Natal (João Mello e João Donato)
2. Rio (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli)
3. Bluchanga (João Donato)
4. Só Danço Samba (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)
5. Sambongo (João Donato)
6. O Morro Não Tem Vez (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)

Lado B
7. Silk Stop (João Donato)
8. Outra Vez (Antônio Carlos Jobim)
9. Índio Perdido (João Donato)
10. Nôa...Nôa... (Sérgio Mendes)
11. Villa Grazia (João Donato)
12. Sambolero (João Donato e Carmem Costa)

FICHA TÉCNICA

Produzido por João Mello
Engenheiro de som: Sylvio Rabello
Técnico de gravação: Célio Martins
Capa original: Paulo Brèves

O que foi escrito sobre: A Bossa Muito Moderna de Donato e Seu Trio

Texto da capa original

Os fãs da moderna música popular brasileira estão de parabéns

Donato e seu Trio voltaram. Desta vez, com repertório onde aparecem páginas representativas da gente jovem, cuja maneira nova de compor tanto bem fêz à nossa música popular.

Donato e seu Trio, além dos temas do próprio dirigente, escolheram para integrar êste disco números de Tom, Vinícius, Sérgio Mendes e Menescal, autores que no nosso modesto entender formam a nata do modernismo musical verde-amarelo.

O resultado foi realmente ótimo. Aliás, o que se poderia esperar de tais autores?

O LP ganhou unidade. Dificilmente podemos discutir sôbre qual a melhor faixa; isto, não obstante as melodias de João Donato serem na sua maioria inéditas, o que de certo modo dificulta o ouvinte menos avisado a descobrir a beleza do tema. Em tais casos, recomendamos ouvir o número duas vêzes para então ter a noção exata da sua música genuinamente brasileira e moderna.

Quando lançamos o primeiro disco do Trio dissemos que o mesmo iria fazer carreira e que em pouco tempo alcançaria sucesso. Não nos enganamos.

Aqui estamos de volta com Donato e seu Trio, porque o LP foi realmente solicitado. Houve grande procura nas casas especializadas.

Independentemente disso, representa uma satisfação à imprensa falada e escrita, que tanto prestigiou o nosso artista.

Texto a partir de entrevista de João Donato para Edison Viana, publicado no encarte da reedição em CD pela Dubas, em 2003

É muito bom ouvir este disco. Me lembra o tempo em que eu tinha vinte e cinco anos, e eu estou com setenta, praticamente. Dando continuação àquele primeiro disco, Muito à Vontade, este outro foi chamado de A Bossa Muito Moderna de João Donato e Seu Trio.

Quando o pessoal da gravadora viu que o primeiro disco foi gravado muito rapidamente – no terceiro dia estava terminando – eles falaram: “grava mais um, já que você vai viajar para os Estados Unidos e não se sabe quando volta”. A gente gravou o disco e ficou arquivado para eles lançarem na sequência, um ano depois.

Depois do Natal foi mais uma das minhas músicas feitas no estúdio. Era dezembro, ou janeiro... depois do Natal. Eu, Tião Neto, Milton Banana e Amaury Rodrigues saímos tocando mais músicas assim. Algumas deste disco depois tornaram-se músicas com letras de parceiros. E têm outras dos parceiros, de outros amigos, como “Rio”, de Menescal y otras cositas más, que na época eu tocava e era o que se ouvia bastante no rádio. Em 62 tocava-se muita música de Os Cariocas, Nara Leão... Eu aprendi algumas músicas assim, no rádio, e na hora do estúdio gravava algumas do momento. E nem escrevia a música. Tinha umas partituras, que se fazia para divulgar as músicas, que eu levava pro estúdio para ter certeza de estar tocando a música decorada. Mas também virava outra coisa depois.

Rio... Foi em 1962. Já se foram mais de quarenta anos, mas parece que foi gravado ontem. Eu toco praticamente do mesmo jeito. E é engraçado que não me dá nostalgia nem saudosismo dos velhos tempos. Eu ouço como se estivesse ouvindo no rádio hoje. O disco toca assim, parece aquele sabonete Frescor da Manhã. Não me parece uma coisa de resgate. Eu ouço como se fosse uma música atual, não é dos anos 60 comparado com os anos 2000. e ouço com o maior prazer. Assim como as músicas do Tom Jobim são bem atuais – você ouve “Garota de Ipanema” e nem lembra de 1960 -, as minhas têm também um pouco dessa característica. Você ouve e não fica pensando no passado. Chego a comparar um pouco com música clássica. Tem esses caras que nasceram no século passado, que você ouve e pensa que aquilo foi feito agora. A atualidade deles é tão grande! Ravel, Debussy, você ouve e pensa como esse cara inventou isso há cento e tantos anos atrás e não tem nada de antigo. Tem uns caras que parecem antigos. Lizst, Haydn, Mozart, que você ouve e já se transporta para um tempo passado, em que as pessoas usavam aquelas roupas cheias de panos e dançavam no palácio, mas outros não.

Bluchanga é uma recordação do tempo em que eu tocava com Mongo Santamaría. Nessa época, eu já tinha gravado com ele essa música. Mongo tinha uma orquestra de charanga, que é uma orquestra típica cubana; tem uns três violinos, uma flautinha, piano, baixo, tumbadora e timbales. Eu trabalhava com ele e fiz um tema para nós tocarmos chamado “Bluchanga”, como se quisesse dizer “blue-charanga”. Quando eu cheguei no Rio e fui escolher o repertório, incluí essa, da temporada que eu passei nos estados Unidos. Nós tocamos bastante em Nova York, em San Francisco, em alguns festivais de jazz. E essa música eu fiz em homenagem ao grupo em que a gente tocava, Mongo Santamaria y su Orquestra Sabrosa.

Eu conheci o Tom Jobim e o João Gilberto praticamente na mesma época, quando o João chegou da Bahia. Todo mundo ali, na mesma situação... No tempo das boates, no Rio de Janeiro dos anos 50. Com dezesseis anos eu comecei a tocar nas boates com o pessoal, Fafá Lemos, Ribamar, Dolores Duran, Johnhy Alf, Tom Jobim... a turma da época. E Só Danço Samba era uma música fácil de tocar. A gravadora queria que eu misturasse ao meu repertório outras coisas que não fossem só as minhas, aí deu “Só Danço Samba”. Essa é uma música que todo mundo sabe tocar.

Tem Sambongo... essa é mais uma invenção de estúdio. Coisa da hora, lá: conjunto pequeno, baixo, bateria e percussão, pega uma onda e sai gravando. Não tem muita explicação. O ‘bongo’ era do bongô do Amary. “Sambongo”é samba com bongô.

Depois deste disco continuei fazendo música no estúdio. E saio fazendo até hoje. Não assim, exageradamente, quando é um disco que vai ser cantado e tudo. Mas quando eu vou pro estúdio tocar as instrumentais, eu faço. É fácil. Quer dizer, às vezes é fácil. Às vezes não dá pra você falar “vou fazer uma música”, igual, “vou fazer um gol”. Você não pode determinar tanto assim, mas você pode ter uma intuição.

Uma vez o poeta Haroldo de Campos foi assistir a um show em que eu estava tocando e me disse: “trouxe uma letra pra você”. Aí eu comentei isso durante o show. Disse: “meu amigo Haroldo de Campos trouxe uma letra pra mim e vou fazer uma música pra ele agora”. O pessoal ficou naquele silêncio total, naquela expectativa geral, e pensei: “e agora, onde eu fui me meter?”. E ataquei uma música, cantei a letra na hora pra ele. Ele ficou emocionado, com lágrimas nos olhos.

Depois vem O Morro Não Tem Vez. O Tom Jobim tinha umas melodias imbatíveis, cativantes. Todo mundo faz música, mas ele sabia fazer música como ninguém. Tinha facilidade para melodia. Outra Vez, por exemplo, é umas das músicas que eu mais gosto do Tom.

Em seguida Silk Stop, Ih! Essa aí virou “Gaiolas abertas”, só que bem mais lenta. Era um tema de jazz que eu tinha feito com uns vinte anos. Silk era o nome de um faquir que ficava dentro de uma caixa de vidro sem comer, sem beber, sem coisa nenhuma. Ficava lá. Bateu recordes de não sei quantos dias. Mas muitos assim, não eram quinze dias, não eram vinte dias... Uma coisa absurda, dois meses sem comer, sem beber nem nada. Ele se exibia num lugar antigo que tinha no Rio chamado Cineac Trianon. A gente ficava no hall de entrada e ali, os amigos falavam: “pô, faz uma música pro Silk”, “Silk stop!”e não sei o quê, umas coisas sem nexo. Aí saiu o nome em inglês: “Silk stop”. Pelo Silk, um cara que nem cheguei a conhecer. É tão rápido que acabo logo, o “Silk stop”. O Martinho da Vila fez a letra e depois virou “Gaiolas Abertas”, quando a Nara Leão gravou aquele disco Nasci Para Bailar. “Voa, voa, passarinho voa...”. Foi naquela época, não me lembro a data. Deve ter uns vinte anos. Mas como eu era mais jovem, eu tinha uns vinte e cinco anos, andava muito mais ligeirinho, era mais agitado, mais apressado, então as músicas saiam assim. E não tinha as letras ainda. Também nem me tocava que certas músicas, diminuindo o andamento, passam a ser confortáveis para cantar. Foi fácil depois colocar letras em muitas delas.

Índio Perdido veio a se chamar “Lugar comum”. Tudo era uma questão de velocidade. “A água bateu, o vento soprou, o fogo do sol, do sal do senhor...”. Essa foi a primeira música que o Gil fez letra pra mim. E era “’Índio Perdido” porque essa música eu ouvi na beira do Rio Acre, quando eu estava lá. Eu devia ter uns cinco anos, seis anos de idade, fui sentar na beira do rio ao cair da tarde e passou uma canoa com um cara assobiando essa música. Eu segurei esse troço e fiquei com isso na cabeça. Muito tempo depois, eu pedi ao Gil para ele fazer a letra, mas a melodia é de um cara descendo a canoa na beira do Rio Acre. Eu fiquei tocado por aquela melodiazinha tão simples e tão exótica, um troço bem setarnejozinho. E pensei que fosse um índio perdido descendo na canoa, assobiando uma música, e inventei um título para ela, mas na realidade, essa melodia não é minha, é do índiozinho. Mas não tem como chamar ele de volta, a canoa passou assim como passam as águas dos rios. E eu o vi só naquele dia. Aquilo me tocou profundamente, me marcou pro resto da vida, porque esse tipo de melodia ficou pra mim como um modelo de como fazer uma música. Fico procurando sempre fazer música dentro desses padrões, que não são nenhuns, mas que têm uma coisa de simplicidade que já nasce com o cara. Já vem assim, uma coisa simples de mais, e bonita. Fiquei emocionado. Fiquei assim... sentimental. Eu garotinho, sentindo uma coisa, uma nostalgia, coisa que criança não conhece, uma sensação nova. A criança não sabe como é esse sentimento. Não é tristeza, é um baratinho que deu, uma saudade de uma coisa que você não conhece.

Nôa... Nôa... eu aprendi com o disco do Sérgio Mendes, Você ainda não ouviu nada! O Sérgio, nessa época, tinha um conjunto bom. E tinha esse tema chamado “Nôa... Nôa”, que lembra as músicas de Horace Silver, que ele gosta muito e eu também. A gente andava pra lá e pra cá, e volta e meia se encontrava. Ele tocava muito as minhas músicas naquela época. Então eu resolvi tocar o “Nôa... Nôa...”.

Villa Grazia virou “Bananeira”. “Villa Grazia” foi o seguinte: a gente estava excursionando com João Gilberto pela Itália e tinha chegado a hora de viajar. Aí foi aquele “vamos viajar, fazer as malas, não sei o quê, pegar aquela condução pra Roma, pra Milão , sei lá pra pegar avião”. Porque estávamos numa cidadezinha do interior, Villareggio. Naquela de fazer as malas, eu tava assobiando essa melodia. Era um assobio descompromissado, mas como a melodia ficou tocando na cabeça resolvi escrever num papelzinho. Quando chegou a hora de gravar o disco, pouco tempo depois, eu chamei o tema de Villa Grazia, que era o nome do lugarzinho, da pousada onde a gente estava morando, uma espécie de pensão onde a gente ficava cada um num quarto. Nos anos setenta, logo depois do meu disco Quem é quem, fui trabalhar com a Gal Costa e conheci de perto o Caetano e o Gil, porque quase diariamente eles estavam na casa uns dos outros e a gente ensaiava muito. Um dia na casa do Caetano eu comecei a tocar a melodia e o Gil deu aquele estalo: “Bananeira não sei, bananeira sei lá...” Aí virou uma letra de repente, “Bananeira”. Ou seja, a origem da coisa não tem nada a ver com o desenvolvimento da coisa...

Sambolero... Carmen Costa fez a letra. Ela fez em Nova York. Eu não tinha ainda essa Fixação por letra, mas casualmente encontrei uma cantora com saudades do Brasil, e ela disse: “Quero voltar a ver meu céu, a ver meu sol, minhas estrelas a brilhar; ver minha lua brincar na areia, areia quente que está sempre a me queimar...”. E virou a letra da música. A Carmen usava para termos legais o apelido de Don Madrid. Então, a música ficou como de João Donato e Don Madrid.

O disco tem 12 músicas? Passa rápido. Minhas músicas são curtas. Quem me ensinou isso foi o João Gilberto. Assim a música acaba rápido e você já quer ouvir de novo. Que nem aquela sobremesa que vem um pouquinho e você fala “me dá mais aí...”


O tempo não passa para a música de João Donato – Chega ao CD a trilha sonora de um Brasil Muito Moderno.
Edison Viana

Chegamos ao apartamento de João Donato para mostrar a ele A Bossa Muito Moderna, que a Dubas Música remasterizou e que está saindo agora em CD. Como da outra vez em que estivemos lá, para levar o Muito À Vontade (lançado em CD pela Dubas no final de 2002), ele ouviu o disco com a surpresa de uma novidade. E com a satisfação de ter disponíveis em formato digital, quatro décadas depois, os seus dois primeiros discos tocando piano.

A Bossa Muito Moderna revela composições de Donato no nascedouro, algumas criadas no próprio estúdio com rapidez e facilidade. Outras, sob títulos como “Índio Perdido”, “Gaiolas Abertas”, como já nos habituamos a ouvir em seus trabalhos mais recentes e até pouco tempo mais fartamente disponíveis em CD. Os registros, de 1962, são também os primeiros com Donato em Trio. O contrabaixista é Tião Neto e o baterista é Milton Banana.

Muito À Vontade, o disco anterior, saiu com apenas dois dias de gravação. Eles haviam acompanhado João Gilberto numa excursão pela Europa e estavam idealmente entrosados. Pois a direção da Polydor imediatamente os colocou para gravar (e lançou no ano seguinte) este segundo disco. Os três voltaram calibrando também temas de outros compositores: desta vez Jobim (como “Outra vez”), Roberto Menescal (“Rio”), Sergio Mendes (“Noa...Noa...”). Amaury Rodrigues, grande amigo de Milton Banana, aparece na percussão.

A capa original de A Bossa Muito Moderna, linda no formato do LP, continua como opção no CD. E como em Muito à Vontade, a Dubas produziu novo encarte com ilustrações de Felipe Jardim, cujo tema é o Rio de Janeiro no qual Donato iniciou a carreira, e cujo estilo lembra a simplicidade do grande talento do pianista. O jornalista mais devotado vai aproveitar nuances das histórias de cada música, reproduzidas no encarte. E talvez possa captar o clima daqueles encontros em que ele retomou contato com os primeiros momentos de sua fértil

Com João Donato, produzir estas reedições e disponibilizar tais instantes originais – nosso trabalho – se tornou um prazer ainda maior.
Donato, figura doce, é uma espécie de mestre-cuca que, com apenas três instrumentos, produziu um tempero inimitável, cobiçado até hoje nas melhores receitas de música brasileira. A reedição A Bossa Muito Moderna dá, a cada prova, a cada audição, um sabor que é sempre novo, sempre irresistível.

Instituto João Donato
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