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A Bad Donato

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A Bad Donato

Ano: 1970
Selo: Blue Thumb Records

FAIXAS

Side 1
1. The frog (João Donato)
2. Celestial showers (João Donato)
3. Bambu (João Donato)
4. Lunar tune (João Donato)
5. Cadê Jodel? (the beautiful one) (João Donato)

Side 2
1. Debutant’s ball (João Donato)
2. Straight Jacket (João Donato)
3. Mosquito (fly) (João Donato)
4. Almas irmãs (João Donato)
5. Malandro (João Donato)

FICHA TÉCNICA

João Donato - órgão e piano
Ernie Watts, Jack Nimitz, Bill Hood and Don Menza - reeds
Pete Candoli, Conti Candoli e Jimmy Zito - trumpet
Jimmy Cleveland and Shoyer - trombone
Bud Shank - flute
Oscar Neves - Acoustical Guitar
Warren Klein - Electric Guitar
Chuck Domanico - Bass
Mark Stevens, Paulinho Magalhães and Dom Um Romão - drums
Joe Porcaro and Emil Richards - percussion
Donato and Eumir Deodato - horn arrangements

Produced by Emil Richards
Space & Time: Tommy Li Puma & Bob Krasnow
Sub titles by Don Graham
Recording Engineer: Hank Cicalo at A&M Studios
Mixdown Engineer: Gary Kellgren at The Record Plant

Design & photography by Tom Wilkes & Barry Feinstein for Camouflage Productions

Blue Thumb, Los Angeles, 1970
Reedição em CD produzida por DUBAS MÚSICA – Rio de Janeiro, 2004.

O que foi escrito sobre: A Bad Donato

Por João Donato – 2004

Em 1970, eu morava em Los Angeles e fui convidado pela Blue Thumbb para gravar um disco, fazendo o que eu quisesse, do jeito que fosse. Era a época dos Beatles, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Led Zeppelin... Era o começo da eletrônica e, como todo mundo tocava com pianos eletrônicos, o pessoal da gravadora me falou: “compre os instrumentos que você quiser e leve pra casa. A gente precisa adaptar o esquema no estúdio.” E eu fiz isso, comprei todas as novidades em equipamentos e fui pra casa pensar no disco.

Eles queriam que eu gravasse, seja lá como fosse, mas eu também não sabia como seria. Foram umas duas semanas de preparação para me acostumar com os novos instrumentos, tentando descobrir a sonoridade deles – tinha muito botãozinho -, saber como utilizar aquilo, ver que material seria usado e em que músicas. Eu me lembro de ter comprado um monte de discos do James Brown para procurar um caminho. Comprei também discos de Led Zeppelin e de vários outros artistas que faziam sucesso na época, mas não me identifiquei especialmente com nenhum deles. Fiquei mesmo com o James Brown, que era aquele estilo funk, aquela coisa mais em cima do ritmo.

Então fomos pro estúdio gravar as bases, e a idéia foi usar dois instrumentos de cada: duas guitarras, dois contrabaixos, duas baterias, dois pianos, dois trompetes, dois trombones... Só não funcionaram os dois baixos... Ficou um. Chamei o Oscar Castro Neves, os bateristas Dom Um, Romão, e Paulinho Magalhães, o Warren Klein, que dava uns gritinhos na guitarra, o meu amigo Bud Shank, Ken Shroyer, os irmãos Candoli... Muitos dos músicos que participaram faziam parte do pessoal que tocava com Stan Kenton, a minha orquestra favorita.

Dias depois, eu estava em casa ouvindo algumas bases que já tinha gravado, e me telefonou o Eumir Deodato, de Nova York: “O que é que você tá ouvindo aí que a tribo tá animada?” – O som estava bem barulhento mesmo. Eu falei do disco e ele disse: “Puxa, quer que eu vá ai te ajudar?”, e eu falei “então vem!”. Aí ele passou uma semana na minha casa e elaboramos os arranjos.

Neste disco não toquei piano acústico nem uma vez, foram só os tecladinhos mesmo. Na época a música era mais ruidosa, mais barulhenta. Tinha Os Beatles, que gritavam, Jimi Hendrix, que gritava na guitarra... E eu fiz o disco mais barulhento que me lembro de ter feito.

Escrevi quase todo o material especialmente para o disco. Das músicas antigas, resolvi gravar só “A rã”, porque é uma das minhas preferidas de todos os tempos, e porque dava pra usar aquele pedalzinho “wah-wah”.

A música “Lunar Tune”, por exemplo, originalmente se chamava “Two After One” (Uma hora e dois minutos). O Emil Richards era um pouco místico... Ele tinha consultado uma astróloga que lhe disse que devia gravar naquele dia, à uma hora da tarde. Aquele dia era domingo e o estúdio não abria, mas deu-se um jeito. Quando eu cheguei no estúdio já era uma hora e dois minutos e eles tinham começado a gravar, porque o Emil queria manter o misticismo e começou a gravar uma hora da tarde em ponto. Entrei na gravação só dois minutos depois e a gravação já tinha começado! Então o troço ficou assim, meio maluco. Tava na época do LSD, não sei o quê... e eu acabei fazendo um solo assim, meio ácido. Daí essas gritariazinhas que aparecem. “Straight Jacket”, que significa camisa de força, é outro exemplo. Naquela época já rolava a folha de Planet Hemp, as camisetas, aquele desenho. Era a moda paz e amor.

A Bad Donato foi uma tentativa de entrar no mercado de lá mais no esquema do momento. Eu queria fazer sucesso e a bossa nova já não dava pra mim, porque era uma coisa mais cantada, mas João Gilberto, Astrud Gilberto, Antonio Carlos Jobim, estava muito relacionado à letra. O Frank Sinatra tinha gravado. E a minha música tocada não estava em segmento nenhum ou estava no segmento de jazz, que já não tinha tanto sucesso comercial. Os músicos de jazz caiam pro popular, como é o caso do Miles Davis, do Wes Montgomery, começando a tocar para grandes platéias. Entrou o fusion... E o meu disco é isso, uma fusão de música brasileira com jazz, rock e eletrônica.

Lembro que tempos depois, aqui no Brasil, o Tommy Li Puma disse que este disco causou um impacto no mercado americano que derivou num fenômeno chamado discotheque, e logo em seguida nasceu a disco music. Segundo ele, esse foi um disco que o guiou, que o fez ver o rumo que as coisas estavam tomando. Saindo um pouco da coisa de Jimi Hendrix, da Janis Joplin, fazendo música instrumental, mas com uma base rítmica como se fosse um loop. Em A Bad Donato eu coloquei rítmos brasileiros misturados com instrumentos elétricos, mais tudo que eu já tinha escutado. Fora a contribuição do Deodato, que logo depois viajou de volta para Nova York e agravou aquele disco com uma música que fez muito sucesso, chamada “Also Sprach Zarathustra”, seguindo esse estilo.

O santo graal do groove à brasileira
por Pedro Só Revista VIP [ 05/02/2005 ]

Esta maravilha saiu apenas nos EUA em 1970 e virou lenda. Fazia os fãs suspirarem pelos sebos do mundo, sem muitas esperanças, e agora materializa-se em bela reedição brasileira, sem perder o sabor de rara iguaria. A mistura de funkão setentista com jazz e brasilidade é puro veneno, coisa única até dentro da obra genial de João Donato. Cercado de amigos da pesada (o flautista Bud Shank, o violonista Oscar Castro Neves), o pianista abraça teclados elétricos e se atira em grooves descacetantes. Tudo é à vera (claro, era 1970), mas às vezes soa hipnótico como o melhor da repetição eletrônica, loopada. Não é mucho loco no mau sentido: Eumir Deodato enquadra cobras acostumadas à loucura organizada (o percussa Emil Richards e outros caras da orquestra de Stan Keaton) em arranjos perfeitos. Na bateria, Dom Um Romão e Paulinho Magalhães garantem o suingue Brasil. Ninguém sobrevive ileso às quebradeiras de Bambu, Debutante's Ball, Straight Jacket e Mosquito. O repertório era todo inédito, à exceção de A Rã, que coaxa como se tivesse engolido um pedal de wha-wha. Compre dois (um pra você e outro pra um amigão) e escreva ao selo Dubas para agradecer.

A bossa psicodélica de João Donato
por Márcio Pinheiro O Estado de S. Paulo [ 05-01-2005 ]

O João Donato mau (ou maldito) – com cara de traficante colombiano, como aparece na capa do disco A Bad Donato (Gravadora Dubas) – serviu primeiro para assustar aos que estavam acostumados ao seu estilo. Saía Donato de estilo suingado, com piano bossa nova temperado com calientes ritmos do Caribe, e entrava o Donato elétrico, influenciado pelo jazz-rock, por Hendrix e por Brown.

Em 1970, João Donato – já mais de uma década morando nos EUA (mudou-se para lá em 1959) e com trabalhos com Mongo Santamaría (quando saiu do conjunto foi substituído por Chick Corea), Tito Puente e Cal Tjader – decidiu gravar em Los Angeles um disco em que fizesse uma fusão de MPB com jazz, funk rock e eletrônica.

Agora, em plena fase de incontinência fonográfica – nos últimos tempos, entre lançamentos e relançamentos, sete CDs seus foram colocados no mercado -, Donato é homenageado com a reedição de um de seus trabalhos mais importantes. Mais comentado do que ouvido, A Bad Donato, lançado pela pequena Blue Thumb, logo saiu de catálogo.

No Brasil, nunca chegou a ser comercializado. E a versão que chega agora pela gravadora Dubas só encontra similar no mercado do Japão, onde João Donato é reverenciado. Nessas três décadas, o disco, talvez até por influência do nome, tornou-se “maldito”, ainda que o próprio autor deboche da sua fama de mau, como evidencia a foto da contracapa em que ele aparece “fantasiado” de hippie.

Como confessa no encarte que acompanha o CD, Donato não sabia o que queria nem como gravaria. Ganhou autorização da gravadora para comprar os instrumentos que achasse necessário e tempo para ficar em casa descobrindo como tirar cada som dos teclados.

Quando entrou nos estúdios, Donato já tinha idéias mais claras. Pretendia usar instrumentos em dupla (duas guitarras, dois trompetes, dois pianos, dois trombones, duas baterias...) e sabia também com quem queria cercar-se: músicos americanos com quem já trabalhara (o saxofonista Ernie Watts, o flautista Bud Shank, o trompetista Jimmy Zito, o clarinetista Don Meza) e velhos parceiros do tempo da bossa nova, como o baterista Dom Um Romão e o violonista Oscar Castro Neves (ambos também morando havia anos nos EUA).

Quando já estava no estúdio, Donato recebeu telefonema de Eumir Deodato que, entusiasmado com o que ouviu, se ofereceu para fazer os arranjos. Foi aceito. Muitos músicos convocados por Donato integraram a orquestra de Stan Kenton, o que de certa forma fechava um ciclo na carreira do músico brasileiro: era Kenton seu modelo de compositor-arranjador quando começou a tirar as primeiras notas do piano, nos anos 40.

O Donato músico – o João que não gosta de poesia, como definiu Caetano em Outro Retrato – também se sentiu mais à vontade por poder fazer um disco instrumental, indo na contramão do que o público americano esperava da bossa nova (o canto suave de Astrud e João Gilberto, o sax tenor de Stan Getz...) e se mimetizando com o que havia de mais contemporâneo na música popular dos EUA. Donato não flagrava apenas o vanguardismo musical. Em A Bad Donato, que reúne dez composições próprias e inéditas, ele se mostrava antenado com o que acontecia na época, do psicodelismo ao movimento hippie, do interesse pela astrologia às experiências com o LSD.

Basta ver o nome de algumas das composições, como Celestial Showers, Luna Tune (originalmente batizada por Emil Richards como Two After One em referência ao horário que foi gravada) e Straight Jacket. O disco também seria um antecipador da onda discoteca, além de servir de modelo para trabalhos posteriores tanto de conterrâneos de João Donato (como o antigo parceiro Dom Um Romão, o percussionista Airto Moreira, o trombonista Raul de Souza e, principalmente, Eumir Deodato, que alcançaria sucesso planetário com sua versão de Also Sprach Zarathustra) quanto de músicos americanos, como o tecladista George Duke, o contrabaixista Stanley Clarke e o vibrafonista Cal Tjader.

Dois anos depois, como não havia mais nada para explicar para os americanos, João Donato deu por encerrada a sua temporada nos EUA. Com o cachê arrecadado com o disco, ele compraria uma passagem de avião. De volta para o Brasil.

Instituto João Donato
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